Criança Ferida ou de como me disseram que eu era gay (teatro)

Quando foi que você se deu conta de que era heterossexual? A pergunta parece simples, mas muitas pessoas não terão uma resposta precisa, ou sequer terão uma resposta. Para a maior parte daqueles que não seguem os padrões heteronormativos estabelecidos, respondê-la não é tão complicado “A gente não se dá conta da nossa sexualidade, a gente é informado pelo mundo, somos apontados pelos outros como gays e muito cedo recebemos essa informação como uma coisa negativa” conta Vinicius Bustani. O espetáculo “Criança ferida ou de como me disseram que eu era gay” se propõe a falar sobre homofobia velada e já naturalizada nas nossas relações mais ín􀆟mas. O intento é alertar para a necessidade de uma revisão de hábitos, chavões e até boas intenções que acabam por criar gerações de crianças solitárias, confusas, com sensação de isolamento e falta de lugar no mundo.

Através de situações cotidianas, que misturam relatos biográficos e ficção, a narra􀆟va evoca momentos e imagens da infância, que marcam o começo da percepção da homofobia, que assume que o desejo divergente da heteronormatividade é errado, e versa sobre os tipos de danos que isso causou em Vinicius e pode causar em crianças e adolescentes que começam a aprender sobre si dessa forma. A motivação para montar a peça surgiu logo após o ator e autor, Vinicius Bustani, revelar aos pais, familiares e amigos sua sexualidade. Mesmo solicitando que se sentissem à vontade para perguntar o que quisessem, ele teve que lidar com inúmeras questões, impensáveis e muitas vezes anacrônicas, que, ao mesmo tempo que trouxeram grandes dores, trouxeram também combustível para a criação. Para se aventurar nessa jornada pessoalíssima, o ator convidou a atriz, diretora e dramaturga Paula Lice, para compor direção e dramaturgia do projeto. Os dois, em processo colaborativo, deram forma ao espetáculo, que atualmente completa pouco mais de um ano de trajetória.

Nesse período foram realizadas cerca de 62 apresentações: 22 apresentações em instituições e projetos, além de cinco temporadas em teatros de Salvador, com sucesso de público e crítica. Em agosto e setembro de 2018 foram 15 apresentações na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública para mais de 1000 pessoas, entre alunos/as, professores/as e colaboradores/as. Em setembro uma apresentação no Hospital Humberto de Castro Lima, em sessão voltada para corpo de funcionários/as. E em outubro e novembro, foram 6 apresentações para alunos e alunas de escolas públicas nos espaços culturais de Alagados e Plataforma e estudantes e professores/as dos cursos de Dança, Psicologia e Bacharelado Interdisciplinar de Artes da UFBA, através do projeto “Criança ferida itinerante” financiado pela Fundação Gregório de Matos (Prefeitura de Salvador) através do Arte Todo Dia.

Todas essas apresentações, que fazem parte do braço institucional do projeto, reforçam na prática o caráter pedagógico do conteúdo e da linguagem do espetáculo. Ao longo de pouco mais de um ano, a peça também ganhou o reconhecimento de instituições importantes tanto no campo das artes cênicas quanto no meio LGBTQIA+. Em setembro de 2018, o espetáculo recebeu um prêmio da Ordem do Mérito Cultural da Diversidade LGBT outorgado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), pelo trabalho na luta contra a homofobia. E em janeiro de 2019 o espetáculo foi indicado na categoria Texto para a maior premiação de teatro da Bahia, o Prêmio Braskem de Teatro. O formato escolhido, teatro-documentário, mostrou-se extremamente valioso para aproximar cena e plateia, através de um relato de experiência verídico e verossímil, que cria uma relação de empatoa, cumplicidade e engajamento entre as paredes que comportam a performance.

Publicado por Paula Lice

Equilibrista.